Em Alice no País das Maravilhas, o gênio nonsense de Lewis Carroll inventou o desaniversário, para ser comemorado com chá e bolo em todos os 364 dias do ano em que não se faz aniversário.
Mais ou menos isso - com uma pitada indisfarçável de antagonismo político - foi o que aconteceu no sábado (29), no Wanel Ville, quando vereadores do PT e moradores comemoraram com bolo, música e palhaços a não-inauguração da Unidade Básica de Saúde (UBS) que deveria atender aquela região.
O prédio está pronto há um ano, e sua abertura imediata foi uma das promessas do prefeito Vitor Lippi (PSDB) na campanha eleitoral do ano passado. O trecho do programa de TV em que a promessa foi feita, veiculado no dia 26 de setembro de 2008, foi publicado no YouTube, o popular site de vídeos da internet.
Estamos diante do posto de saúde do Wanel Ville, que está sendo entregue à população de Sorocaba nos próximos dias, anuncia o prefeito.
O tempo mostrou que não estava. Passados onze meses da promessa, a unidade de saúde continua fechada, e, segundo a moradora Gianila Galego, ouvida pela repórter Regina Helena Santos, deste jornal (Bairro protesta por unidade de saúde, 30/8, pág. A5), só não está abandonada porque os próprios moradores se encarregam de vigiá-la para evitar depredações.
De acordo com a justificativa da Secretaria Municipal de Saúde, a nova unidade estaria agora em fase de adequação de equipamentos e de pessoal (que inclui seleção e treinamento), e ainda não existe previsão para sua abertura.
Ou seja: houve um descompasso, difícil de justificar, entre os setores encarregados de planejar e executar a obra da UBS e os que deveriam ter providenciado, com a necessária antecedência, a compra dos equipamentos e a alocação ou contratação de funcionários para ativá-la. E o prefeito, que colocou sua imagem na TV para anunciar a abertura nos próximos dias, pagou o preço político de uma promessa não cumprida.
A festa de não-inauguração, descontados os interesses políticos evidentes do PT sorocabano, é um alerta para a administração municipal, que conseguiu a façanha de perder pontos com a população do Wanel Ville depois de ter feito o mais difícil, que era erguer o imponente prédio da UBS.
A cidade tem urgência de soluções, e seja o que for que as atrasa por quase um ano precisa ser detectado e corrigido.
Há pouco mais de um mês, foi preciso que o Ministério Público desse um ultimato ao secretário de Governo, Maurício Biazotto Corte, para que a Prefeitura iniciasse o processo de seleção dos novos conselheiros tutelares, previsto na lei municipal 8.627. Sancionada em dezembro de 2008, a lei não vinha sendo cumprida, e o processo de recomposição do Conselho Tutelar, organismo indispensável para a solução dos problemas ligados à Infância e Juventude, ainda não havia sido iniciado. O concurso público para seleção de novos conselheiros foi iniciado no último dia 25, mais de oito meses depois de a lei ser sancionada. E levará, segundo o prefeito, mais doze ou dezoito meses para que as condições de funcionamento do Conselho possam finalmente melhorar.
Tais atrasos - respeitados apenas aqueles gerados por absoluta ausência de recursos ou satisfação de prazos e exigências legais - comprometem os resultados e geram compreensível estresse na população. E acarretam, para o governo municipal, um desgaste político que poderia ser evitado, ou, quando menos, reduzido.
A festa de não-inauguração da UBS do Wanel Ville foi organizada pelo PT, mas quem a gestou durante onze meses foi a própria administração municipal, pela falta de ações e de satisfações suficientes à opinião pública.
Compreender esse fato com humildade, e sem cair na tentação de atribuir o protesto unicamente a fatores políticos, é fundamental para que os descompassos excessivos entre a tomada de decisões e a viabilização de soluções possam ser solucionados.
Jornal Cruzeiro do Sul - 31/08/2009