quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Editorial - Conquista ameaçada

Na última década, a coleta seletiva de materiais recicláveis provou para os sorocabanos que é um serviço indispensável, ao conciliar benefícios econômicos, sociais e ambientais e provocar uma saudável mudança de hábitos na população.

Graças ao trabalho pioneiro da Cooperativa de Reciclagem de Sorocaba (Coreso), mais tarde seguido por outras cooperativas, milhares de famílias deixaram de acondicionar o lixo orgânico juntamente com embalagens de plástico, vidro, metal e papel/papelão, que podem ser reaproveitadas industrialmente. As cooperativas ganharam a simpatia da população e, depois de um começo conflituoso, passaram a ser encaradas como parceiras pela Prefeitura, que as incorporou em suas políticas públicas e apoiou de maneira decisiva a partir de 2005.

O caminho que parecia reto e seguro, entretanto, chegou abruptamente a uma encruzilhada no final do ano passado, quando a crise econômica mundial começou a refletir nas empresas que compram e industrializam os materiais, fazendo despencar a procura e, consequentemente, os preços. O modelo atual da coleta seletiva, que parecia autossustentável, mostrou-se como um gigante com pés de barro, já que o aporte financeiro que torna possível sua operação depende exclusivamente da demanda e da cotação dos materiais recicláveis no mercado. O impacto da queda dos preços tirou catadores das ruas e fez o volume da coleta cair de 306 toneladas mensais (antes da crise) para 167 toneladas mensais, como apurou reportagem de Leandro Nogueira publicada no Caderno de Domingo deste jornal.

Perniciosa em muitos sentidos, a crise serviu, no entanto, para mostrar que um serviço de tamanha importância não pode ficar condicionado às instabilidades do mercado. Para que a coleta seletiva atenda prioritariamente ao interesse coletivo - reduzindo o ritmo de ocupação do aterro sanitário, atenuando os danos ao meio ambiente e proporcionando empregos para um número maior de catadores -, suas diretrizes devem partir do poder público, e não das empresas compradoras. Para que o serviço possa ser ampliado e atingir cada rua da cidade, sua operação não pode estar atrelada a variações de preços que ameaçam até mesmo inviabilizar os trabalhos, como ocorre neste momento.

Todas essas constatações apontam numa única direção, que é a remuneração direta dos serviços de coleta. Como isso será feito, ainda não se sabe. Existe em tramitação na Câmara um projeto do vereador Izídio Brito (PT) nesse sentido, mas que foi retirado da pauta por seis sessões, devido a alegação de inconstitucionalidade da Consultoria Jurídica da Casa. O projeto, entretanto, deverá ser reapresentado com alterações, e esta será uma oportunidade para que a discussão seja aprofundada, não apenas no âmbito do Legislativo, mas também do Executivo.

A contratação é uma proposta ousada, na medida em que implica uma reformulação completa do relacionamento do poder público com as cooperativas, porém absolutamente coerente quando se considera a coleta seletiva como um serviço público de altíssima relevância para a sociedade. Se a municipalidade remunera todos os serviços públicos, por que só a coleta seletiva deveria ser oferecida gratuitamente? Para que se possa expandi-la e torná-la universal, parece óbvio que ela necessite evoluir da condição de serviço quase voluntário, oferecido independentemente de qualquer obrigatoriedade, para a de serviço contratado - e, portanto, sujeito ao cumprimento de prazos e metas, como os demais.

Em tese ao menos, isso não deve onerar sobremaneira os cofres públicos, pois o volume coletado a mais pelas cooperativas estará sendo subtraído do total transportado pelos caminhões da coleta mecanizada, com a possibilidade de uma compensação financeira entre um e outro serviço. As cooperativas, em contrapartida, terão de se prontificar a cumprir um plano de trabalho, para que possam abranger todos os bairros com regularidade e eficiência - e, o mais importante, sem perder o caráter social da coleta, que surgiu como alternativa de geração de renda para pessoas excluídas do mercado de trabalho formal e é o que as diferencia de uma empresa comum, para efeito de contratação.

Jornal Cruzeiro do Sul

Notícias CNM/CUT